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MENSAGEM Nº      80,       DE   04   DE      SETEMBRO     DE 2018.

Senhor Presidente da Assembleia Legislativa,

No exercício das competências contidas nos artigos 42, § 1º, e 66, inciso IV, da Constituição do Estado, comunico a Vossa Excelência que decidi vetar integralmente o Projeto de Lei nº 751/2015, que “Dispõe sobre desconto de 50% (cinquenta por cento) para utilização de estacionamento pelos idosos e dá outras providências”, aprovado por esse Poder Legislativo na Sessão Ordinária do dia 1º de agosto de 2018.

Instada a se manifestar, a Procuradoria-Geral do Estado opinou pelo veto total ao projeto de lei:

“(...) ainda que contenha elevados propósitos, percebe-se que a proposta legislativa em comento contém vício de inconstitucionalidade formal, na medida que usurpa a competência privativa da União para legislar sobre matéria de direito civil (art. 22, I, da CF/88), bem como ofende o princípio da livre iniciativa (arts. 1º, IV, e 170 da CF/88) e a garantia do direito de propriedade (arts. 5º, XXII, e 170, II, da CF/88).

Com efeito, (...) não sobrelevam dúvidas de que, ao reproduzir normas que impõem a concessão de descontos em estacionamentos privados, a propositura acaba por limitar e restringir a exploração econômica desta atividade, e, dessa forma, excursiona em tema relativo ao direito de propriedade, afetando o pleno exercício desse mesmo direito no âmbito das relações contratuais e, por conseguinte, aborda tema afeto ao direito civil.

Para elucidar o afirmado, imperioso transcrever as considerações lançadas pelo Min. Maurício Correa no julgamento da ADI 1.918, que declarou inconstitucional Lei do Estado do Espírito Santo, que limitava o valor das quantias cobradas em estacionamentos privados, in verbis:

“Não se pode confundir questão de direito civil com matéria concernente ao consumo. O dispositivo da lei estadual em causa invade, sem dúvida, esfera do direito civil, porquanto estabelece regras sobre elementos essenciais da propriedade. A propósito vale lembrar escólio de A. L. CALMON TEIXEIRA, citado pelo Ministério Público Federal em seu parecer:

‘A relação jurídica entre quem explora um estacionamento (proprietário ou outrem a quem foi repassado o direito de exploração) e seu usuário não se contém no âmbito da competência legislativa do município, seja ele qual for. É legislação privativa da União Federal (CF, art. 22, I). Compete-lhe, com exclusividade, legislar sobre direito civil e direito comercial, os quais regem, necessariamente, a relação jurídica entre o usuário do estacionamento de shopping center e quem o explora.

A gratuidade compulsória não tem o condão de converter em relação jurídica de outra natureza o negócio jurídico de direito privado entre o usuário do estacionamento de shopping center e quem o explora ou o deste com o shopping. A transferência de exploração de estacionamento insere-se no elenco dos direitos do proprietário’ (fls. 164)”.

Nesse mesmo sentido, também é a orientação dos Tribunais Pátrios, cite-se o entendimento firmado pelo Tribunal de Justiça de Mato Grosso, no Agravo de Instrumento nº : 73784/2011, em que considerou não ter o Município “competência legislativa para disciplinar o contrato de estacionamento, guarda ou depósito de veículos, ou, sob outro prisma, a prestação de serviços de estacionamento, pois a matéria não se insere no conceito de interesse local (ou peculiar interesse, na linguagem constitucional antiga), e nem tem a ver com a "questão urbana", pois esta é questão que, salvo quanto à localização, diz com elementos exteriores à propriedade privada”, ressaltando a competência exclusiva da União para tratar sobre a gratuidade da primeira meia hora  em estacionamentos privados.

Sobre tal controvérsia, o Supremo Tribunal Federal já se pronunciou (ADI 4.008, AgR-RE 730.856, ADI 1.623 e ADI 2.448), tendo assentado que a regulação da cobrança pela utilização dos serviços de estacionamento privado constitui matéria de direito civil, de competência legislativa privativa da União, nos termos do art. 22, inciso I, da Constituição Federal.

(...)

Ademais, tem-se que a proteção constitucional assegurada ao idoso (art. 230 da CF/88) deve ser realizada com intuito de assegurar oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.

Assim, essas políticas públicas protetivas devem ser vocacionadas a alcançar e assegurar o exercício dos direitos e liberdades fundamentais dos idosos em condições de igualdade material com a população em geral, por exemplo, que assegure o atendimento preferencial imediato e individualizado junto aos órgãos públicos e privados prestadores de serviços à população, medidas de acessibilidade e viabilização de formas alternativas de participação, ocupação e convívio do idoso com as demais gerações.

Ocorre que, em se tratando de locomoção nas vias públicas, há que se ressaltar que já vem sendo promovida medidas direcionadas aos idosos que lhe asseguram transporte público gratuito e a reserva de vagas para estacionamento de veículos.

Logo, vislumbra-se que não há desigualdade material a ser contrabalanceada pelo poder público, por não ser possível aferir de maneira abstrata a vulnerabilidade econômica em virtude da idade apta justificar o benefício que se pretende atribuir aos idosos.

(...)

Vale ressaltar que o princípio da livre iniciativa, previsto na Constituição Federal, é considerado um dos fundamentos da República Federativa do Brasil (art. 1º da CF/88), além de um dos postulados da ordem econômica (art. 170 da CF/88).

Dessa forma, deve ser entendido como a liberdade constitucionalmente assegurada aos agentes econômicos, que não pode sofrer intervenções além das admitidas pela Constituição, sempre com vistas a assegurar outros direitos (individuais ou sociais) também de ordem constitucional.

Assim, não obstante seja papel do Estado zelar pela proteção dos idosos (art. 230 da CF/88), é imprescindível que o Poder Público não invada a liberdade garantida na Carta Magna à iniciativa privada sem que haja justificativa jurídico-constitucional plausível para tanto, como inevitavelmente irá ocorrer caso esse projeto de lei venha a fazer parte do ordenamento jurídico mato-grossense. (...)”

Essas, Senhor Presidente, são as razões que me levaram a vetar integralmente o Projeto de Lei nº 751/2015, as quais ora submeto à apreciação dos membros dessa Casa de Leis.

Palácio Paiaguás, em Cuiabá,   04  de   setembro   de 2018.